terça-feira, 22 de novembro de 2016

Concurso Nacional de Leitura 2016-2017 - 1ª fase (escola)
Como já vem sendo tradição a nossa escola vai participar neste ano letivo na 11ª edição do Concurso Nacional de Leitura.

Destinado aos alunos do ensino básico e secundário, este desafio pretende estimular o treino da leitura e desenvolver competências de expressão escrita e oral junto dos alunos do 3º ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário.

As obras selecionadas para a 1ª Fase do concurso são: 

Ensino Básico : 


   

Mar me quer, de  Mia Couto, Editorial Caminho






O polegar de Deus, de Louis Sachar, Editorial Presença





Ensino Secundário :

 

O último cabalista de Lisboa, de Richard Zimler, Porto Editora






 Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco, Porto Editora




Participa! Inscreve-te na Biblioteca ou junto da tua professora de Português!

As provas escritas realizam-se no início de Janeiro em data a indicar.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016



(excerto)

O céu estava cinzento e quase nunca aparecia o sol, mas enquanto não chovia os meninos iam brincar para o jardim.
Um jardim muito grande e bonito, com uma grade pintada de verde toda em volta, de modo que não havia perigo de os automóveis entrarem e atropelaremos meninos que corriam e brincavam à vontade, de muitas maneiras: uns andavam nos baloiços e nos escorregas, outros deitavam pão aos patos do lago, outros metiam os pés por entre as folhas secas e faziam-nas estalar – crac,crac - debaixo das botas, outros corriam de braços abertos atrás dos pombos, que se levantavam e fugiam, também de asas abertas.
Era bom ir ao jardim. E mesmo sem haver sol, os meninos sentiam os pés quentinhos e ficavam com as bochechas encarnadas de tanto correr e saltar.
Uma vez apareceu no jardim uma menina diferente: não tinha bochechas encarnadas, mas uma carinha redonda, castanha, com dois grandes olhos escuros e brilhantes.
- Como te chamas? - perguntaram-lhe.
- Maria. Às vezes chamam-me Maria Castanha .
- Que engraçado... Maria Castanha! Queres brincar?
- Quero.
Foram brincar ao jogo do apanhar. A Maria Castanha corria mais do que todos.
- Quem me apanha? Ninguém me apanha! Ninguém apanha a Maria Castanha!
Ela corria tanto. Corria tanto que nem viu o carrinho do vendedor de castanhas que estava à porta do jardim, e foi de encontro a ele. Pimba! O saco das castanhas caiu e espalhou-as todas à reboleta pelo chão. A Maria Castanha caiu também e ficou sentada no meio das castanhas.
- Ah. Minha atrevida! – gritou o vendedor de castanhas todo zangado.
- Foi sem querer – explicaram os outros meninos.
- Eu ajudo a apanhar tudo. – disse Maria Castanha, de joelhos a apanhar as castanhas caídas.
E os outros ajudaram também. Pronto. Ficaram as castanhas apanhadas num instante.
- Onde estão os teus pais? – perguntou o vendedor de castanhas à Maria Castanha.
- Foram à procura de emprego.
- E tu?
- Vinha à procura de amigos.
- Já encontraste: nós somos teus amigos – disseram os meninos.
- Eu também sou – disse o vendedor de castanhas.
E pôs as mãos nos cabelos da Maria Castanha, que eram frisados e fofinhos como a lã dos carneirinhos novos. Depois, disse:
- Quando os amigos se encontram, é costume fazer uma festa. Vamos fazer uma festa de castanhas. Gostam de castanhas?
- Gostamos! Gostamos! – gritaram os meninos.
- Não sei. Nunca comi castanhas, na minha terra não há. – disse Maria Castanha.
- Pois vais saber como é bom.
E o vendedor deitou castanhas e sal dentro do assador e pô-lo em cima do lume. Dali a pouco as castanhas estalavam… Tau! Tau!
- Ai, são tiros? – assustou-se a Maria Castanha, porque vinha de uma terra onde havia guerra.
-Não tenhas medo. São castanhas a estalar com o calor.
Do assador subiu um fumozinho azul-claro a cheirar bem. E azuis eram agora as castanhas assadas e muito quentes que o vendedor deu à Maria Castanha e aos seus amigos.
- É bom, é. – ria-se Maria Castanha a trincar as castanhas assadas.
- Se me queres ajudar, podes comer castanhas todos os dias. Sabes fazer cartuchos de papel?
A Maria Castanha não sabia mas aprendeu. É ela quem enrola o papel de jornal para fazer os cartuchinhos onde o vendedor mete as castanhas que vende aos fregueses à porta do jardim.

António Torrado, Maria Castanha
Dia de S. Martinho – As castanhas na literatura portuguesa

Luís Vaz de Camões

“A fermosura fresca serra
e a sombra dos verdes castanheiros
o manso caminhar destes ribeiros
donde toda a tristeza se desterra”



Miguel Torga ("Reino Maravilhoso")

Mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza,
cai de umas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais,
parecem encarnar a virgindade da própria paisagem.
Só em Novembro as agita uma inquietação funda, dolorosa,
que as faz lançar ao chão lágrimas que são os ouriços.
Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos
deixam ver numa camada fofa a maravilha singular de que falo,
tão desafectada que até no próprio nome é doce e modesta – a castanha.
Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida,
no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca dos pobres e ricos. Crua,
engorda os porcos, com a vossa licença...".



João Garcia de Guilhade (Trovador medieval)

Dom Foam disse que partir queria
quanto lhi derom e o que havia.
E dixi-lh'eu, que o bem conhocia:
"Castanhas eixidas, e velhas per souto". 
E disso-m'el, quando falava migo:
- Ajudar quero senhor e amigo.
E dixi-lh'eu: - Ess'é o verv'antigo:
"Castanhas saídas, e velhas per souto".
E disso-m'el: - Estender quer'eu mão
e quer'andar já custos'e loução.
E dixi-lh'eu: - Esso, ai Dom Foão:
"Castanhas saídas, e velhas per souto".  
  
Ruy Belo
“Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância” 

Maria Judite de Carvalho

“O velho vendedor desta tarde, ali à esquina da rua, lembrou-me outro, lá longe, no passado de uma cidade diferente, esse diluído não só em tempo ou em bruma mas também num fumo aromático que não aquecia, fumo frio, talvez, e que atravessava ossos porosos que existiam, que estavam ali dentro de mim, um pouco arrepiados também. Eu passava todos os dias pelo homem, que usava boina e samarra, talvez fosse espanhol, já não me lembro, e detinha-me sempre para comprar o eterno cartucho de castanhas, que logo metia, em partes iguais, nos bolsos já largueirões do casaco, deixando ficar as mãos naquele leve, apesar disso reconfortante calor. Cá fora havia nevoeiro, ou então um espesso teto de nuvens baças separava-nos da estrela da vida, que desaparecera do nosso convívio há muito tempo. E eu, mesmo sem querer, mesmo pensando que isso era impossível, não a imaginava lá em cima mas muito longe, para o sul,  aquecendo e iluminando a  minha terra. Fazia o resto do percurso devagar, ia aproveitando aquela sensação tão doce. Quando chegava ao hotel tinha as mãos enfarruscadas e as castanhas estavam quase frias, mas paciência, comia-as mesmo assim."

Aquilino Ribeiro

“António levou-o depois de terra em terra para angariar recompensas: «aqui lhe davam uma tigela de feijões, ali um celamim de centeio, acolá um gigo de batatas, nesta casa, naquela e naqueloutra meio braço de cebolas, o seu naco de toucinho, a sua mancheia de castanhas piladas.” 
“E, zás-trás – ali lhe assenta Pedro o pau na nuca, torna-lhe a secundar o golpe pelo toutiço abaixo e, oh milagre!, eis que da cabeça de São Cristovão começam a cair moedas, moedas das grandes, daquelas que corriam no tempo do oito e se trazem no relógio à dependura, a cair mais e mais que nem castanhas dum castanheiro quando varejado.”



A lenda de São Martinho

Num dia frio e chuvoso de inverno, Martinho seguia montado a cavalo quando encontrou um mendigo. Vendo o pedinte a tremer de frio e sem nada que lhe pudesse dar, pegou na espada e cortou o manto ao meio, cobrindo-o com uma das partes. Mais à frente, voltou a encontrar outro mendigo, com quem partilhou a outra metade da capa. Sem nada que o protegesse do frio, Martinho continuou viagem. Diz a lenda que, nesse momento, as nuvens negras desapareceram e o sol surgiu. O bom tempo prolongou-se por três dias.

As tradições do dia de São Martinho

O dia de São Martinho é festejado um pouco por toda a Europa, mas as celebrações variam de país para país. Em Portugal é tradição fazer-se um grande magusto, beber-se água-pé e jeropiga. Esta é também uma altura em que se prova o novo vinho. Como diz o ditado popular, “no dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho”.

De acordo com alguns autores, como José Leite de Vasconcelos e Ernesto Veiga de Oliveira, a realização dos magustos remonta a uma antiga tradição de comemoração do Dia de Todos os Santos, onde se acendiam fogueiras e se assavam castanhas. Em outros países, como na Alemanha, acendem-se fogueiras e fazem-se procissões, e em Espanha matam-se porcos, tradição que deu origem ao ditado popular “a cada cerdo le llega su San Martín” (“cada porco tem o seu São Martinho”). Também no Reino Unido existe a expressão “verão de São Martinho” que, apesar de já raramente utilizada, está também ligada com a crença de que o tempo melhora nos dias que antecedem o feriado.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Ferreira de Castro

José Maria Ferreira de Castro



José Maria Ferreira de Castro nasceu no lugar de Salgueiros, concelho de Oliveira de Azeméis, a 24 de Maio de 1898.
Aos 12 anos, emigrou para o Brasil, tendo vivido e trabalhado durante quatro anos em plena selva amazónica, no seringal Paraíso. Viveu em precárias condições, tendo de recorrer a trabalhos como colador de cartazes e embarcadiço em navios do Amazonas. Esta experiência serviria de base para o seu mais famoso romance A Selva. Também colaborou na imprensa, tendo fundado o jornal Portugal.
Regressou a Lisboa em 1919 e, para além de ter sido redator e diretor de jornais e revistas, continuou a escrever livros nos quais está patente a intervenção social e ideológica.
Em 1928, ao publicar o romance Emigrantes, conheceu grande êxito em Portugal e no estrangeiro. Dois anos depois, com A Selva, conhece momentos de verdadeira glória.
O seu nome foi sugerido para Prémio Nobel da Literatura e, em 1970, a sua obra foi reconhecida com o prémio Águia de Ouro Internacional.
As suas obras estão publicadas em dezenas de países e, durante muito tempo, foi mesmo o nosso escritor mais traduzido. Ofereceu o seu espólio ao povo de Sintra e hoje existe, na vila velha, um museu em sua memória.
Ferreira de Castro faleceu no Porto em 1974, mas tendo escrito a maior parte da sua obra em Sintra "desejaria ficar ali para sempre" na serra, "onde as ervas rasteiras vivessem livremente". Ali está o seu túmulo, quase despercebido para quem sobe a serra a caminho do Castelo dos Mouros, escondido pelas árvores. Os limos rasgaram a campa onde mal se lê: "Ferreira de Castro, Escritor (1898-1974)". E assim mesmo o desenhou: "Um bloco de granito cavado em forma de banco, voltado para a vereda; um banco onde pudesse descansar quem por ali subisse ao castelo ou andasse, em erradios passos, comungando com a poesia de Sintra."



Emigrantes, de José Maria Ferreira de Castro


O livro aborda a temática da emigração portuguesa no Brasil no início do século XX. O Portugal dessa época é um país pobre e pouco desenvolvido. Para fugirem às precárias condições de vida, muitas pessoas emigraram para vários países, nomeadamente para o Brasil. É o caso de Manuel da Bouça, personagem que acompanhamos do princípio ao fim do romance, que se separa da família, hipoteca os poucos bens que possui e parte com o objetivo de alcançar uma vida melhor.

 Em Emigrantes, o autor mostra com dureza e realismo as condições de vida dos emigrantes portugueses no Brasil. Apresenta com grande humanismo as ideias essenciais, questionando ao longo de toda a obra o sentido de justiça do mundo em que vive.

“A sua alegria desvanecera-se e agora, volvido de novo para o cais, ao ver os últimos emigrantes desembarcados, que caminhavam, trôpegos e miseráveis, entre as mulheres e os filhos, apiedava-se deles. «Aqueles diabos imaginavam que para se enriquecer bastava ir por aí fora, com ganas de trabalhar. Ele também pensara assim, mas depois é que vira. Bem lhe diziam o Hermenegildo e o Fernandes que só com o seu trabalho um homem não enriquecia. Se não fosse isso, ele estaria podre de rico… Mas qual! Nem os ricos iam deixar que todos enriquecessem, senão – claro! – não tinham quem lhes fizesse as coisas de que eles precisavam…” 
“Há cada ricaço que é de a gente lhe tirar o chapéu! Que ricos há os em toda a parte. Também os há aqui e bem pertinho. O que eu queria é que não houvesse pobres.” 



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Vergílio Ferreira  (1916 - 1996)





Assinalou-se no dia 28 de janeiro o centenário do nascimento de Vergílio Ferreira, o autor de uma das obras ficcionais mais importantes e singulares do século XX, mas também um notável ensaísta e diarista. 


Na Praia da Rocha em 1955 

Enquanto ficcionista, Vergílio Ferreira estreou-se com romances ainda enquadrados num neo-realismo então dominante na ficção portuguesa, mas a partir do início dos anos 50 rompe com essa sua primeira família, e obras como Manhã Submersa (1954), adaptada ao cinema por Lauro António, ou Aparição (1959) assumem já uma perspectiva existencialista, bebida em Dostoievski, Sartre ou Malraux — o próprio Vergílio Ferreira dizia que Eça de Queirós o ensinou a escrever e o autor de A Condição Humana o ensinou a pensar —, mas também  em filósofos como Karl Jaspers ou Martin Heidegger.
Se os seus romances de ideias — com personagens que discutem a missão da arte, a função do intelectual ou as grandes questões com que se debate uma condição humana desapossada de Deus — o tornam um caso à parte na ficção portuguesa, é ainda mais invulgar o modo como essa dimensão reflexiva, pensante, se cruza com uma escrita de forte dimensão poética. É precisamente esta prosa, ao mesmo tempo lírica e filosófica,  que torna Vergílio Ferreira um caso único no panorama português.
Para Jorge Lopes, um estudioso do escritor, a obra que mais exemplarmente ilustra essa espessura lírica da ficção vergiliana é Para Sempre (1983): “Aquilo é, quase linha a linha, prosa poética”.


 Junto ao Seminário do Fundão com o realizador Lauro António em 1978

Uma obra profícua


















 Ficção
1943 | O Caminho fica Longe                           
1944 | Onde Tudo foi Morrendo
1946 | Vagão “J”                                                 
1949 | Mudança
1953 | A Face Sangrenta                                   
1953 | Manhã Submersa
1959 | Aparição                                                  
1960 | Cântico Final
1962 | Estrela Polar                                           
 1963 | Apelo da Noite
1965 | Alegria Breve
1971 | Nítido Nulo
1972 | Apenas Homens
1974 | Rápida, a Sombra
1976 | Contos
1979 | Signo Sinal
1983 | Para Sempre
1986 | Uma Esplanada Sobre o Mar
1987 | Até ao Fim
1990 | Em Nome da Terra
1993 | Na Tua Face
1996 | Cartas a Sandra

Ensaios
1942 | Teria Camões lido Platão?
1943 | Sobre o Humorismo de Eça de Queirós
1957 | Do Mundo Original
1958 | Carta ao Futuro
1963 | Da Fenomenologia a Sartre
1963 | Interrogação ao Destino, Malraux
1965 | Espaço do Invisível I
1969 | Invocação ao Meu Corpo
1976 | Espaço do Invisível II
1977 | Espaço do Invisível III
1981 | Um Escritor Apresenta-se
1987 | Espaço do Invisível IV
1988 | Arte Tempo



Diários
1980 | Conta-Corrente I
1981 | Conta-Corrente II
1983 | Conta-Corrente III
1986 | Conta-Corrente IV
1987 | Conta-Corrente V
1992 | Pensar
1993 | Conta-Corrente-nova série I
1993 | Conta-Corrente-nova série II
1994 | Conta-Corrente-nova série III
1994 | Conta-Corrente-nova série IV

Um continuador improvável

Se a obra literária de Vergílio Ferreira continua hoje a suscitar diferentes leituras, o que parece reunir consenso é a ideia de que não teve nem precursores óbvios nem verdadeiros continuadores na ficção portuguesa, não obstante a sua confessada admiração por Eça de Queirós e Raul Brandão. Num texto de 1978, Eduardo Lourenço sugere que o romancista se vai afastando de Eça “sem o perder de vista” e se vai aproximando do expressionismo de Raul Brandão “sem jamais aceitar a sua caoticidade visionária”.
Professor durante quase toda a vida, dotado de uma invejável bagagem literária e filosófica, autor recorrente de máximas, aforismos e reflexões que muitas vezes assumiam a forma de recomendações pedagógicas, tinha todas as características de um mestre, mas um mestre que, enquanto artista, não teve discípulos. Muitos autores mais novos o admiraram, e ele próprio apadrinhou alguns, como Lídia Jorge ou Almeida Faria, mas todos acabaram por seguir caminhos muito diversos do seu. Quando muito, adivinham-se algumas “homenagens”, como a que Valter Hugo Mãe parece querer prestar, no seu romance A Máquina de Fazer Espanhóis, a Em Nome da Terra. A excepção (que talvez não o seja) a este consenso vem do ensaísta Luís Mourão, que admite que Vergílio Ferreira possa mesmo ter um improvável continuador num romancista  - Gonçalo M. Tavares.



No Liceu Camões em Lisboa (1981)